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Vania Rovisco e Manoel Barbosa |
Quando em 1998 obtive formação como intérprete de dança contemporânea
em Lisboa, não me ocorreu perguntar aos formadores porque não se falava
da história da performance em Portugal. Trabalhei durante vários anos
no estrangeiro numa companhia reconhecida, onde adquiri uma experiência
ampla e intensa. Sentindo necessidade de colocar o corpo no tempo
e
no espaço, decidi romper com esse percurso de intérprete e, já como
intérprete cocriador, dirigi-me às galerias de arte. Na altura vivia em
Berlim. As primeiras perguntas que surgiram foram: “Como criar um outro
objeto performativo?”, motivo que me levou a mudar o local de
apresentação do meu trabalho, e a dirigir-me às galerias de arte. A
reflexão sobre os conteúdos a abordar, proporcionou-me a questão “Qual o
corpo atual?”. De que corpo provinha ou estava sujeito a que processos,
dos quais que supostamente brotariam materiais para compor trabalhos
criativos. A pergunta “Qual o corpo atual?”, provou ser demasiado vasta,
pois quando observava os corpos em meu redor, já o meu se encontrava
numa relação geracionalmente “distanciada” com as gerações seguintes.
Para não estagnar em julgamentos, decidi pesquisar o corpo arcaico, esse
corpo esquecido que nos pertence a todos, comum: independente
de gerações, escondido. Fui acompanhando este processo por uma pesquisa
teórica. Certo dia, lembro-me de estar a consultar um livro sobre
performance contemporânea com vários autores essencialmente germânicos e
anglo-saxónicos e, num momento de negação com aqueles materiais, senti a
necessidade de pausar na absorção daquelas informações e sentidos.
Sentia-me monopolizada por elas e, de forma coletiva, elas
homogeneizavam os corpos, mentes e reflexões de quem praticava dança ou
performance, sugerindo discursos equivalentes, uniformes, monótonos.
Surgiu então a necessidade de saber “Qual a herança performativa
portuguesa, anterior da nova dança em Portugal?” — “Qual o corpo
performativo português?”. Alguns anos passados sobre esta reflexão,
conheci a Verónica Metello, que passou a despoletou a questão agora
potenciando meios de acesso a materiais e conteúdos. Enquanto pedagoga,
sei que a transmissão corpo a corpo é única, afetando imediatamente o receptor. Tenho vindo a entender o corpo atual como um corpo em
“formação”, aberto a receber informações que podem ser “carregadas” por
corpos atuais e seguintes.Essencialmente quero dizer que o corpo atual é
construído, e é nesta perspetiva que REACTING TO TIME, portugueses na performance
se baseia, chegando à receção de informações por via direta, ou seja,
através dos autores dos primeiros acontecimentos da performance em
Portugal, podendo assim receber um legado ao qual o acesso é limitado
mas que me pertence e que creio deve ser transmitida. Trata-se aqui
essencialmente da transmissão de uma obra do autor aos participantes no
workshop, partilhando com eles um histórico do que se passou em
Portugal, do que eram as artes performativas antes do regime terminar.
Sou e serei confrontada em lidar e adaptar aos espaços onde será
apresentado, o que realmente muda tudo. O facto da obra original ser
composta por 5 pessoas e este processo ter um número variável de
participantes no workshop, altera a sua leitura, ainda que tenha tido a
preocupação de encontrar uma relação plástica que indicasse quatros
corpos presentes na obra. Todos estes factores mudam muito, mas espero
que a essência da obra se mantenha, sabendo que ela sofrerá à reação do
tempo.
Vania Rovisco
[da folha de sala de Apresentação Transmissão]